Análise filogenética de Escherichia coli enteropatogenica (EPEC) e produtoras de toxina shiga (STEC) isoladas de fezes de psitacídeos: avaliação do potencial zoonótico

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J. N. Reple
M. C. V. Oliveira
M. G. X. Oliveira
M. P. V. Cunha
R. M. Gioia-Di Chiacchio
L. A. Sanches
A. B. S. Saidenberg
L. Z. Moreno
A. M. Moreno
T. Knöbl

Resumo

Introdução e objetivos: A Escherichia coli, uma das principais habitantes do trato intestinal de seres humanos e das aves, pode ocasionar quadros entéricos nas duas espécies [1]. Drásticas mudanças ecológicas e comportamentais do ser humano, como aumento exponencial da população e intenso contato com pets exóticos, colaboraram para a emergência de zoonoses e prejuízos na própria saúde animal [2]. A bactéria, pertencente à família Enterobacteriaceae, pode ser classificada sorologicamente, filogeneticamente e molecularmente [3,4,5]. EPEC é um grupo de E. coli diarreiogênica que produz alterações características nas células intestinais, como a lesão A/E (attaching and effacing), mas não produzem toxinas shiga, enterotoxina termolábil ou termoestável, sendo conhecida como uma das principais causadoras de diarréia infantil. As estirpes de EPEC ainda são classificadas em típicas quando abrigam o plasmídeo para o fator de aderência de EPEC (EAF), que codifica bfp (bundle forming pili), enquanto as estirpes atípicas são negativas para o gene bfp [6]. A Escherichia coli produtora de toxina shiga (STEC) também é um agente esporádico de diarréia, que secreta verocitotoxinas stx1 e stx2 e é igualmente apta a causar lesão A/E nas células intestinais [3]. Considerando o impacto zoonótico e a necessidade de conservação das aves silvestres e exóticas, o presente trabalho foi delineado para investigar a presença de grupos filogenéticos de Escherichia coli enteropatogênica (EPEC) e produtoras de toxina Shiga (STEC) em estirpes isoladas de fezes de psitacídeos com o emprego da metodologia descrita por Clermont e colaboradores [4].

Material e Métodos: Foram coletadas fezes de 448 psitacídeos das espécies Nymphicus hollandicus (calopsita), Agapornis spp. (agapornis), Melopsittacus undulatus (periquito australiano), Guaruba guarouba (ararajuba), Amazonas spp. (papagaio) e Ara ararauna (arara canindé), aparentemente saudáveis ao exame clínico. A coleta de material foi aprovada pelo Comitê de Ética e Uso Animal da FMVZ-USP (2984230514) e SISBIO: 43541-1. As amostras foram transportadas refrigeradas até o laboratório e processadas para isolamento e identificação de Escherichia coli. O cultivo foi realizado em caldo BHI, seguido de plaqueamento em ágar MacConkey a 37oC. As colônias foram confirmadas por série bioquímica e estocadas em meio Lúria Bertani. Como controles positivos dos testes foram utilizadas duas amostras de EPEC pertencentes ao sorogrupo O55, isoladas de crianças com diarréia, e como controle negativo uma cepa de E. coli K12. A extração de DNA foi realizada pelo método de Boom [7]. Quatro pares de primers foram utilizados na pesquisa de fatores de virulência dos patótipos diarreiogênicos EPEC (eae, bfpA, stx 1 e stx 2), segundo a Costa et al. (2010) [8]. Os produtos da amplificação foram separados na eletroforese em gel de agarose 1,5% e corados com BlueGreen (Invitrogen®). Foi realizada a classificação entre os quatro principais grupos filogenéticos descritos por Clermont et al. (2000) (A, B1, B2 e D) [4], segundo a árvore de decisão dicotômica (Figura 1).

Resultados: Das 448 amostras de fezes coletadas, foram isoladas 151 colônias de Escherichia coli, totalizando um percentual de 33,7% de aves colonizadas (151/448). A Tabela 1 ilustra os resultados para as diferentes espécies de psitacídeos. Os resultados obtidos indicaram uma elevada frequência de ocorrência de Escherichia coli positiva para os genes eae e bfp em calopsitas (39,3%). Trabulsi et al. (2002) [6] referem que, EPEC típicas são raramente isoladas de animais, sendo este patótipo encontrado majoritariamente em humanos. A presença de EPEC típicas nesses psitacídeos sugere a transmissão de caráter antropozoonótico como a mais provável. Knöbl et al. (2008) [9] analisaram diversos fatores de virulências em papagaios com sintomatologia de colibacilose. Os genes de virulência detectados sugerem que amostras de E. coli isoladas de animais doentes apresentaram alguns fatores de virulência do patótipo de E. coli patogênica para aves (APEC). Em contraste, no presente trabalho, das amostras isoladas de Escherichia coli das fezes de papagaios clinicamente saudáveis, 14,58% foram classificadas como EPEC típicas (7/48) e 10,42% como EPEC atípicas (5/48). Reservatórios animais têm papel relevante na epidemiologia das infecções causadas por STEC [10]. As STEC podem ser encontradas no trato gastrintestinal de uma variedade de animais como suínos, ovinos, cavalos, aves, cães e gatos; sendo os bovinos considerados como o principal reservatório deste patótipo [11]. Estirpes de Escherichia coli produtoras de toxina Shiga também já foram isoladas de dejetos de aves, como pombos e gaivotas [12,13]. No presente também foi encontrada alta frequência (54,5% - 6/11) de STEC em periquitos australianos. Todas as STEC analisadas foram alocadas no grupo B2. Seis das EPEC típicas pertencem ao grupo B2, uma ao grupo A e uma ao grupo D. Considerando-se as EPEC atípicas, uma delas foi classificada no grupo B2 e a outra no grupo filogenético A. Os resultados são apresentados na Tabela 2. Filogeneticamente as linhagens patogênicas de E.coli agentes de doenças extraintestinais têm sido classificadas como pertencentes ao grupo D e, em sua maioria, ao grupo B2, enquanto as comensais e isolados de diarréia são normalmente encontradas como membros dos grupos A, B1 e D [14]. As STEC costumam ser enquadradas principalmente no grupo B1 e A, mas também podem ser encontradas, em menor proporção, nos outros dois grupos [15, 16]. Neste contexto, com exceção de algumas E. coli aderentes difusas e EPEC do grupo 1, estirpes causadoras de diarréias não são do grupo B2. Relata-se que estirpes do grupo B2 podem ser as mais frequentemente isoladas em fezes de humanos assintomáticos [17]. Portanto, o caráter antropozoonótico de infecção entre psitacídeos de cativeiros e humanos torna-se uma hipótese evidente. Rodriguez-Siek et al. (2005) [18], identificaram metade dos casos de colibacilose aviaria pertencentes aos grupos filogenéticos A e B1 e, a outra metade, inclusas nos grupos B2 e D. Esses autores levantaram a hipótese que a classificação de metade das amostras em um grupo considerado não patogênico poderia ser explicada pela característica oportunista das infecções por E. coli. Saidenberg (2012) [19] descreveu amostras de psitacídeos sintomáticos positivas para o grupo A e, minoritariamente, para o grupo D, creditando também o resultado obtido ao caráter oportunista da infecção, já que grande parte destas amostras seria classificada em grupos mais patogênicos do que o grupo filogenético A. Estas teorias também se aplicam nos resultados obtidos do presente trabalho, já que, EPEC típicas (89,47% - 17/19), EPEC atípicas (50% - 1/2) e STEC (100% - 6/6) foram alocadas no grupo B2, não sendo o trivial. O genoma da Escherichia coli parece ser composto por uma origem “ancestral” conservada, que contém a informação genética necessária as funções celulares primordiais; e outra “derivada”, flexível, que permite a expressão dos fatores de virulência [20]. Mutações pontuais, rearranjos genéticos e transferência horizontal de genes são alguns dos mecanismos responsáveis pela grande diversidade de bactérias [21]. Enquanto as mutações pontuais e rearranjos genéticos levam a um desenvolvimento evolutivo lento, sem a criação de novos determinantes genéticos, a transferência horizontal de genes cria genomas extremamente dinâmicos, capazes de, em um único passo, transformar um organismo normalmente benigno num agente potencialmente patogênico [22]. Muitos fatores relacionados ao comportamento destas estirpes humanas em hospedeiros animais, incluindo as aves, ainda não foram elucidados.

Conclusões: Neste projeto, a detecção de EPECs e STECs em diferentes espécies de psitacídeos mantidos em cativeiro aponta um risco zoonótico potencial. A maioria das amostras foi classificada como pertencente ao grupo filogenético B2, que abriga estirpes com maior potencial de virulência. Considerando a Escherichia coli como uma espécie bacteriana extremamente versátil e de alta plasticidade genômica é possível que o encontro destes patótipos e grupos filogenéticos em aves, esteja relacionado à transferência antropozoonótica dos fatores de virulência.

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Como Citar
RepleJ. N.; OliveiraM. C. V.; OliveiraM. G. X.; CunhaM. P. V.; Gioia-Di ChiacchioR. M.; SanchesL. A.; SaidenbergA. B. S.; MorenoL. Z.; MorenoA. M.; KnöblT. Análise filogenética de Escherichia coli enteropatogenica (EPEC) e produtoras de toxina shiga (STEC) isoladas de fezes de psitacídeos: avaliação do potencial zoonótico. Revista de Educação Continuada em Medicina Veterinária e Zootecnia do CRMV-SP, v. 13, n. 1, p. 81-83, 28 abr. 2015.
Seção
SEMANA CIENTÍFICA PROF. DR. BENJAMIN EURICO MALUCELLI